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Dinheiro público, código aberto - parte 2

February 25, 2020


Este artigo faz parte de uma série de artigos sobre o sofware livre e a administração pública, que começa aqui.


Eficiência

O caro leitor já olhou para o texto do caderno de encargos de um concurso público para desenvolvimento de um sistema de informação? Se não, deveria. Regra geral (para a qual espero que existam exemplos contrários), um concurso está pejado de tendências e vieses. Geralmente o caderno de encargos não se limita a listar uma série de requisitos funcionais do género: tem de permitir aos utilizadores do género X fazer Y. Vão mais longe e muitas vezes forçam determinadas arquiteturas: a utilização de um determinado software de gestão de base de dados, um determinado sistema operativo, uma determinada solução (geralmente proprietária) e outras diretivas que em pouco ou nada contribuem (antes pelo contrário) para resolver o problema em questão e a entrega de um sistema útil.

É verdade que o software não existe no limbo, isolado do resto da realidade dos sistemas de informação da instituição que está a promover o projeto, mas até que ponto isto é eficiente e conduzirá à melhor forma de gastar o dinheiro dos contribuintes?

Eficiência

Photo by Marc-Olivier Jodoin on Unsplash

Muitas vezes (a maioria até!), sistemas semelhantes já existem e foram desenvolvidos noutras partes do país ou do mundo. Qual é a probabilidade de o sistema de informação de licenciamentos de uma câmara municipal necessitar de ser diferente do mesmo sistema em outra câmara? Qual é a probabilidade do sistema de informação hospitalar necessitar de ser diferente de outro sistema de informação hospitalar? Qual é a probabilidade da plataforma utilizada para desenvolver a interface web de self-service de um serviço necessitar de ser diferente da de outro serviço?

Porque razão deverá o estado financiar uma série de projetos de software que fornecem serviços semelhantes, quando é mais eficiente focar-se em um projeto de cada tipo e partilhar os custos entre instituições?

No fundo o que a administração pública pretende é ser eficaz, fazer o máximo com o mínimo de custo possível, certo?

Poder reutilizar software pode conduzir a enormes reduções de custo e de risco.

Valor cívico

Publicar software financiado pelo dinheiro público faz todo o sentido. A administração pública deve investir em bens públicos de forma a maximizar o benefício para a sociedade.

O dinheiro investido no desenvolvimento de software pode ser devolvido aos cidadãos através da publicação do código fonte e de uma licença de utilização livre.

Civismo

Soberania tecnológica

Imaginemos que uma câmara municipal vai investir na criação de infra-estruturas para uma nova zona da cidade, que neste momento é um terreno deserto. Para isso vai precisar de empresas de construção que lhes construam as infra-estruturas.

Agora imaginem que, depois de finalizado o processo de contratação pública, atribuído no fim a uma empresa, o contrato diz que, uma vez construídas as infra-estruturas, somente a dita empresa de construção tem o direito de manter e alterar esta infra-estrutura. Com a excepção desta dita empresa, nanhuma outra entidade - nem a mando do próprio estado — tem direito a alterar, melhorar ou a corrigir um problema que venha a surgir. Nem mesmo é dado o direito de olhar para estas infra-estruturas, que são proopriedade intelectual da empresa.

Absurdo, não?

Pois é o que geralmente acontece com contratos de desenvolvimento e manutenção de sistemas de informação.

Como é que o software livre pode aqui ajudar? Dada a natureza liberal imposta à partida para a publicação e utilização do código, qualquer empresa poderá concorrer — desde que minimamente qualificada — a prestar serviços de desenvolvimento e manutenção deste sistema.

E mais: qualquer cidadão deverá poder consultar, apontar problemas e sugerir alterações ao código fonte (tal como a comunidade open-source faz há décadas).

No caso de um problema no software, e se um vendedor não for responsável por resolvê-lo, a instituição pode contratar qualquer outra empresa para fazê-lo se o software for livre. A velocidade e a capacidade para resolver um problema pode ser ainda mais importante se este problema for de segurança: quanto mais depressa for resolvido, menor o tempo de exposição a utilização potencialmente abusiva.

Eficiência

Photo by Headway on Unsplash

No próximo artigo vamos continuar a explorar cada um destes benefícios.

Ler a parte 3 deste artigo